Parecer - Parecer Jurídico: Contrário de 27/09/2010 por Victor Eduardo Bertoldi Boff (Projeto de Lei Ordinária do Executivo nº 67 de 2010)

Documento Acessório

Tipo

Parecer

Nome

Parecer Jurídico: Contrário

Data

27/09/2010

Autor

Victor Eduardo Bertoldi Boff

Ementa

Ementa: Somente em casos excepcionais o Município poderá efetuar a concessão de uso sem o devido processo licitatório, devendo ser para finalidade específica e devidamente fundamentado o interesse público tutelado.  Foi solicitado parecer a esta procuradoria, no dia 20 de setembro de 2010, pelos nobres vereadores integrantes da comissão de justiça e redação, indagando quanto à legalidade do Projeto ora em apreço. O projeto autoriza o chefe do executivo a efetuar a concessão de uso do imóvel Lote Urbano nº 18 da Quadra 06, com área de 1.815,00 m2, matriculado junto ao CRI sob o nº 36058, localizado no Loteamento Luas, de propriedade do Município de Marechal Cândido Rondon/PR por força do Decreto Municipal nº 166/2008 à empresa A. S. KOTTWITZ & CIA. LTDA. A finalidade da concessão vem justificada na mensagem de exposição de motivos: A referida concessão se faz necessária para atender interesse público, eis que, com o aumento de circulação de veículos e ciclistas na Avenida Rio Grande do Sul existem crescentes riscos de acidentes que poderiam ser ocasionados pelas máquinas e caminhões que utilizam o acesso à empresa pela referida Avenida e, com a concessão ora solicitada, toda a carga e descarga de equipamentos poderá ser feita pela Rua Souza Naves, diminuindo significativamente a possibilidade de ocorrência de acidentes.  Antes de adentrar no mérito do projeto cumpre advertir que a matéria deve ser vista em duas óticas: primeiro do lado jurídico e posteriormente sobre a conveniência e oportunidade. A conveniência e oportunidade são de competência de cada parlamentar. Compete a ele verificar: finalidade do projeto, acréscimo que ele traz para a sociedade, valores desembolsados pelos cofres públicos, necessidade da concessão. Ainda, no desempenho de suas atribuições típicas, fiscalizarem as atividades do Executivo e por conseqüência a presente concessão. Sendo assim, qualquer dúvida que persista na análise do projeto sua resposta deve ser buscada com o Chefe do Executivo. Agora no plano jurídico cumpre fazer uma análise quanto à possibilidade da realização desta concessão administrativa de uso de bem imóvel. Primeiramente, partimos do conceito da concessão de uso, neste sentido citamos as palavras do nobre doutrinador Hely Lopes Meirelles[1]: Concessão de uso de bem público é o contrato administrativo pelo qual o Poder Público atribui a utilização exclusiva de bem de seu domínio a um particular, para que o explore por sua conta e risco, segundo sua específica destinação. Para o nobre doutrinador Celso Antônio Bandeira de Mello, a concessão de uso de bem público é o contrato administrativo pelo qual, como o nome já o indica, a Administração trespassa a alguém o uso de um bem público para uma finalidade específica. Se o Poder Público, instado por conveniências administrativas, pretender rescindi-la antes do termo estipulado, terá de indenizar o concessionário[2]. Sua distinção quanto à concessão de direito real de uso é que esta é um direito real, enquanto aquela pessoal. Em sendo a concessão de direito real de uso um direito real, pode ser utilizada na transmissão da posse direta de bens públicos ou privados, de forma gratuita ou remunerada, visando dar cumprimento à função social do bem na cidade onde se localiza. Ambas devem ter destinação específica e ainda, em sua concessão, respeitar as regras e princípios que regem toda atividade administrativa. Para todas as hipóteses de concessão é defendido o procedimento licitatório, com o escopo de garantir a isonomia na contratação com o Poder Público, como bem prevê o art. 2º da Lei 8.666/93. MEIRELLES[3] defende à necessidade do procedimento licitatório para a concessão de uso: A concessão pode ser remunerada ou gratuita, por tempo certo ou indeterminado, mas deverá ser sempre precedida de autorização legal e, normalmente, de licitação para o contrato. Sua outorga não é nem discricionária nem precária, pois obedece a normas legais e regulamentares e tem a estabilidade relativa dos contratos administrativos, gerando direitos individuais e subjetivos para as partes contratantes. Tal contrato confere ao concessionário um direito pessoal de uso especial do bem público concedido, privativo e intransferível sem prévio consentimento da Administração, pois é realizado intuitu personae, embora admita fins lucrativos. É o que ocorre com a concessão de uso remunerado de um hotel municipal, de áreas de mercado ou de locais para bares e restaurantes em edifícios ou logradouros públicos. Continuando a análise da matéria, não há como deixar de trazer os ensinamentos de Marçal Justen Filho[4]: A omissão legislativa não pode conduzir à interpretação da ausência de obrigatoriedade de licitação. Aliás, veja-se que o art. 2º da Lei nº 8.666 alude genericamente a concessão e permissões, sem qualificar seu objeto.Também não seria relevante o argumento de eventual gratuidade na cessão do uso de bens públicos em favor de particulares.Deve tornar-se em vista, como ponto de partida, a previsão constitucional de que todas as contratações administrativas serão precedidas de licitação, ressalvadas as exceções indicadas em lei. Portanto, a regra geral será a licitação prévia.Essa solução deverá ser adotada sempre que o eventual benefício não puder ser outorgado a todo e qualquer possível interessado. A necessidade de excluir alguém demanda a adoção de critério seletivos fundados no princípio da impessoalidade, segundo as exigências da isonomia. Contudo, em sede de ADIn, o STF afastou liminarmente a incidência de várias partes do art. 17 da Lei de Licitações, justificando que esta norma seria aplicada somente a União, cabendo aos Estados e Municípios a regulamentação conforme sua conveniência e interesse local. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONSTRUÇÃO E FUNCIONAMENTO DE ESCOLA. CONCESSÃO DE DIREITO REAL DE USO SOBRE BEM DOMINIAL. PATRIMONIO DISPONÍVEL DO MUNICÍPIO. RESTRIÇÃO PREVISTA NO ART. 17, I, ¿B¿ DA LEI 8.666/93. APLICAÇÃO SOMENTE NO ÂMBITO DA UNIÃO FEDERAL. ADIN Nº 927-3. AUSÊNCIA DE PROCEDIMENTO LICITATÓRIO. POSSIBILIDADE NOS CASOS DE INTERESSE PÚBLICO. APLICAÇÃO DA LEI Nº 8.666/93 (ART. 17, PARÁGRAFO 4º) E DA LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO DE ESTEIO (ART. 151). I - O bem patrimonial disponível que, nada obstante integra o domínio público como os demais - de uso comum ou especial, e por isso inalienáveis enquanto tais - deles difere pela possibilidade sempre presente de ser utilizado para qualquer fim, independentemente de desafetação. II - O STF ao apreciar a ADIN nº 927-3 assentou que a restrição posta no art. 17, I, ¿b¿ da Lei 8.666/93 somente tem aplicação no âmbito da União Federal. E isso porque não se trata de norma de caráter geral sobre licitações e contratações, de competência da União e de obrigatória observância para as demais esferas de governo; trata-se de norma específica, sobre a qual podem os Estados e Municípios dispor livremente, no exercício de competência concorrente. Para além disso, a Lei 8.666/93 e a Lei Orgânica do Município de Esteio, dispensam a licitação nas concessões administrativas quando houver interesse público. Não há negar que a construção e o funcionamento de uma escola traduz interesse público relevantíssimo, a dispensar justificativas. Apelo da ré provido. Rejeitadas as preliminares e o recurso do Ministério Público. (Apelação Cível Nº 70010097947, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Genaro José Baroni Borges, Julgado em 22/06/2005). Corrobora com o tema a doutrinadora Maria Sylvia Zanella di Pietro[5]: A concessão exige licitação, nos termos do artigo 2º da Lei nº 8.666/93, que silencia quanto à modalidade a ser utilizada, ao contrário do Decreto-lei nº 2.300/86, que exige concorrência. Talvez o silêncio do legislador se justifique pela norma do artigo 121, parágrafo único, segundo a qual os contrato relativos a imóveis do patrimônio da União continuam a reger-se pelas disposições do Decreto-lei nº 9.760, de 5-9-46, com alterações posteriores. Só que, além de esse decreto-lei não cuidar da concessão de uso e sim da cessão de uso (que é uma das modalidades de concessão), ainda há o fato de que ele é de aplicação restrita à União. Isto permite concluir que a matéria não foi considerada norma geral, podendo Estados e Municípios seguir suas próprias leis a respeito do assunto. No silêncio dessas leis, melhor aplicar, por analogia, o critério do valor estabelecido pelo artigo 23, II, da Lei nº 8.666/93. A Lei Orgânica do Município de Marechal Cândido Rondon aborda a matéria em seu artigo 101, senão vejamos: Art. 101 O Município, preferentemente à venda ou à doação de bens móveis, concederá direitos real de uso, mediante concorrência.Parágrafo Único A concorrência poderá ser dispensada quando o uso se destinar a concessionário de serviço público, a entidades assistenciais, ou verificar-se relevante interesse público na concessão, devidamente justificado. (grifei) A Lei Orgânica Municipal resolveu dispensar a concorrência quando os fins sociais justificarem a excepcional medida.  A justificativa apresentada no presente projeto é no sentido de que manter o acesso à empresa pela Av. Rio Grande do Sul gera riscos de acidentes ocasionados pelas máquinas e caminhões que utilizam o referido acesso. Entretanto, em que pese às justificativas, a princípio, do modo disposto no presente projeto, não há nada que impeça que estes veículos continuem a transitar pela referida Avenida, logo, poderá a presente concessão se tornar ineficaz para as finalidades propostas. O presente projeto também não prevê a forma de utilização da área objeto da concessão, ou seja, caso não conste a finalidade, poderá utilizá-la como lhe convier, inclusive edificando ou ainda dando destinação que impeça a utilização da área como acesso, sendo assim, novamente será utilizada a referida Avenida.  Ainda, me parece que as concessões são vedadas quando as empresas beneficiadas tiverem como representantes agentes políticos de Poder ou do Ministério Público ou algum parente na administração, tal vedação é com o intuito de evitar que interesses públicos acabem por se confundir com os particulares.  Ademais, cabe destacar, que não se torna possível conceder a título de uso, área com destinação específica e de relevante função social, cultural ou ainda de proteção ao meio ambiente, conforme é o entendimento jurisprudencial: EMENTA:  REEXAME NECESSÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CÍVIL PÚBLICA. MUNICÍPIO DE SÃO LEOPOLDO. OUTORGA DE DIREITO REAL DE USO. ÁREA VERDE. LEI MUNICIPAL Nº 4.289/96. Possível o controle de constitucionalidade de Lei de efeito concreto em sede de ação civil pública manejada pelo Ministério Público. Descabida a concessão de uso de área verde em loteamento urbano, consubstanciada na Lei Municipal nº 4.289/96, visto que se trata de verdadeiro ato administrativo que resulta em redução de área reservada para fins específicos. Desafetação que prejudica a comunidade e o meio ambiente. Violação do disposto no art. 17, da Lei Federal nº 6.766/79. Ausente licitação para a cessão da área. Afronta ao disposto no art. 1º, parágrafo único e art. 2º, da Lei nº 8.666/93 Descabida a cominação de multa diária à Fazenda Pública. Precedentes deste Colegiado. NEGARAM PROVIMENTO AO APELO E REFORMARAM, EM PARTE, A SENTENÇA EM REEXAME NECESSÁRIO. UNÂNIME. (Apelação e Reexame Necessário Nº 70021934518, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alexandre Mussoi Moreira, Julgado em 18/06/2008) Por fim, caso os nobres vereadores entendam pertinente, poderá ser realizada audiência pública com as entidades daquela localidade, a fim de verificar se de fato existem os problemas relatados. Diante o exposto, somente em casos excepcionais poderá haver a concessão administrativa de bens imóveis sem o prévio procedimento licitatório, devendo ser devidamente justificado o interesse social no favorecimento de pessoa jurídica determinada, caso contrário, a licitação é medida que se impõe. Ademais, quaisquer dúvidas quanto à necessidade da concessão e os transtornos que a empresa privada ocasiona para a comunidade devem ser esclarecidas com o autor do projeto, ou ainda, efetuadas diligências neste sentido. Outrossim, deve constar no projeto a destinação específica, bem como prazo determinado para a utilização da área. Para que desta forma possa ser controlado o uso, bem como, proceder à revogação em eventuais abusos que possam ocorrer. A fixação de prazo, além de ser uma garantia para o concessionário, sem a qual ele não aceitaria a concessão, é exigência legal que decorre da Lei nº 8.666, de 21-6-93, cujo artigo 57, §3º, veda contrato com prazo indeterminado.[6] A aprovação de qualquer matéria deve ser amplamente estudada e debatida, com a finalidade de evitar que possíveis disparates resultem em danos para a Administração e a Sociedade. Este é o parecer, s.m.j., que ora subscrevo[7]. Marechal Cândido Rondon, 26 de setembro de 2010[8].   VICTOR EDUARDO BERTOLDI BOFFProcurador JurídicoOAB/PR 41.452[1] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro, 16ª Edição. São Paulo: Editora Malheiros, 2009. Pág. 319.[2] DE MELLO, Celson Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo, 25ª Edição. São Paulo: Editora Malheiros, 2008. Pág. 914/915.[3] MEIRELLES, op cit. Pág. 320.[4] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 13ª Edição. São Paulo: Editora Dialética, 2009. Pág. 50/51.[5] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 23ª Edição. São Paulo: Editora Atlas, 2010. Pág. 699.[6] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 23ª Edição. São Paulo: Editora Atlas, 2010. Pág. 698.[7] Parecer manifestado segundo a convicção deste procurador, o qual não é vinculativo, podendo a Administração adotar a solução que melhor resguarde o interesse público.[8] Parecer exarado no domingo e registrado no sistema no dia de hoje.

Indexação

PARECER JURÍDICO

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