Parecer - Parecer Jurídico: Contrário de 07/06/2010 por Victor Eduardo Bertoldi Boff (Projeto de Lei Ordinária nº 19 de 2010)
Documento Acessório
Tipo
Parecer
Nome
Parecer Jurídico: Contrário
Data
07/06/2010
Autor
Victor Eduardo Bertoldi Boff
Ementa
Ementa: Impossibilidade do Poder Legislativo iniciar lei que verse sobre normas de execução ou prestação de serviços. Foi solicitado parecer a esta procuradoria no dia 01 de junho de 2010, pelo nobre presidente desta Casa de Leis, indagando quanto à legalidade da preposição em tela. O Projeto de autoria do nobre Vereador Ítalo Fernando Fumagali é de iniciativa louvável, pretende implantar a coleta seletiva de lixo nas calçadas e em prédios públicos e privados no Município de Marechal Cândido Rondon. A preposição vem ao encontro das políticas de preservação ao meio ambiente, pois, em pleno século XXI é inadmissível que não reciclemos o lixo produzido pela população, evitando assim, possíveis agressões a natureza. Comumente verificamos na mídia a separação de resíduos em cidades e países mais desenvolvidos. Assim, certo é que há muito tempo já deveria haver a seleção do lixo nas cidades brasileiras, entretanto, não é o que costumeiramente vemos no cenário nacional. Importante é informar que não se está aqui a discutir o mérito do projeto, o qual, sem dúvida é de valor incomensurável, mas sim, verificar os requisitos legais para que possa vir a ser ele sancionado. A Lei Orgânica do Município estabelece as matérias que são de iniciativa privativa do chefe do executivo, senão vejamos: Art. 44 Compete privativamente ao Prefeito Municipal a iniciativa das leis que versem sobre:I regime jurídico dos servidores;II criação de cargos, empregos e funções na Administração direta e autárquica do Município, ou aumento de sua remuneração;III orçamento anual, diretrizes orçamentárias e plano plurianual;IV criação, estruturação e atribuições dos órgãos da Administração direta do Município. Importante trazer à baila a doutrina de Hely Lopes Meirelles, o qual com propriedade aborda a função do Poder Legislativo: A atribuição típica e predominante da Câmara é a normativa, isto é, a de regular a administração do Município e a conduta dos munícipes no que afeta aos interesses locais. A câmara não administra o Município; estabelece, apenas, normas de administração. Não executa obras e serviços públicos; dispõe, unicamente, sobre sua execução. Não compõe nem dirige o funcionalismo da Prefeitura; edita, tão-somente, preceitos para sua organização e direção. Não arrecada nem aplica as rendas locais; apenas institui ou altera tributos e autoriza sua arrecadação e aplicação. Não governa o Município; mas regula e controla a atuação governamental do Executivo, personalizado no prefeito[1]. Na mesma obra o autor menciona o destinatário da norma elaborada pelo Poder Legislativo: Em sua função normal e predominante sobre as demais, a Câmara elabora leis, isto é, normas abstratas, gerais e obrigatórias de conduta. Esta é sua função específica, bem diferenciada da do Executivo, que é a de praticar atos concretos de administração.[2] Em que pese à impossibilidade de criar normas concretas para o bem estar da população existem mecanismos que podem ajudar na tarefa do Poder Executivo, corroborando nas políticas públicas. De um modo geral, pode a Câmara, por deliberação do plenário, indicar medidas administrativas ao prefeito adjuvani causa, isto é, a título de colaboração e sem força coativa ou obrigatória para o Executivo; o que não pode é prover situações concretas por seus próprios atos ou impor ao Executivo a tomada de medidas específicas de sua exclusiva competência e atribuição. Usurpando funções do Executivo, ou suprimindo atribuições do prefeito, a Câmara praticará ilegalidade reprimível por via judicial.[3] Embora não sejam vastos os números de decisões, os tribunais já reconheceram a inconstitucionalidade das Leis que versem sobre estas matérias, senão vejamos: EMENTA: ACAO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. SAO INCONSTITUCIONAIS AS LEIS N-1734/93, N-1741/93, N-1756/93, N-1779/93, N-1836/94, N-1870/95 E N-1871/95, DO MUNICIPIO DE SAPUCAIA DO SUL QUE TRATAM, RESPECTIVAMENTE SOBRE TRANSITO, REGULACAO DE ISENCAO DE APRESENTACAO DE PLANTA PARA CONSTRUCAO, COM FORNECIMENTO GRATUITO DA MESMA AOS PROPRIETARIOS, COLETA SELETIVA DE LIXO, ELEICAO DE DIRETORES DE ESCOLAS MUNICIPAIS, PLANEJAMENTO FAMILIAR, ENSINO OBRIGATORIO DA LINGUA ESPANHOLA E REVOGACAO DE DISPOSITIVOS LEGAIS QUE INSTITUIAM PLANO DE CLASSIFICACAO DE CARGOS PUBLICOS, FUNCOES E SALARIOS DO SERVIDOR PUBLICO MUNICIPAL, QUE SE INTROMETEM NA ORGANIZACAO ADMINISTRATIVA E CRIAM DESPESAS, EMANADAS DA CAMARA DE VEREADORES, PARA CUJA INICIATIVA A COMPETENCIA E PRIVATIVA DO SR. PREFEITO MUNICIPAL. O PREFEITO MUNICIPAL SO TEM O EXERCICIO DO DIREITO, MAS NAO A SUA DISPONIBILIDADE, SENDO-LHE VEDADA A RESPECTIVA DELEGACAO, COMO TAMBEM, AO ORGAO LEGISLATIVO, E DEFESO EXERCE-LA, CONFORME PRECEITUA O ART-5 PAR-UNICO DA CONSTITUICAO RIOGRANDENSE. ACAO JULGADA PROCEDENTE. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 595115171, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Clarindo Favretto, Julgado em 26/02/1996) Ainda,EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI MUNICIPAL 3.272/06 - AFRONTA AOS ARTIGOS 66, III, I, 170, PARÁGRAFO ÚNICO E 173, 'CAPUT', DA CARTA ESTADUAL. Feridos os princípios da harmonia e separação dos poderes, além de afrontar ao pacto federativo e invasão da competência privativa do Poder Executivo, é inconstitucional a norma em questão, que, ademais, cria despesa ao Município sem a correspondente fonte de custeio/receita. Representação acolhida. (TJMG, nº 1.0000.06.436023-3/000(2), Relator Edelberto Santiago, Relator do Acórdão Cláudio Costa, Julgado 10/10/2007, Publicado 13/02/2008).A interpretação da presente preposição leva a duas conclusões: a) de que competem ao Poder Executivo disciplinar matérias de execução administrativa, que digam respeito à administração do município e; b) que é de suma importância a coleta seletiva de lixo para as gerações futuras. Embora a matéria não traga um grande aumento de despesa, pois, o custo não envolverá expressivos valores, é flagrante que se trata de atividade afeta ao Poder Executivo, pois, não está apenas à regular em ato geral e abstrato, mas sim, dispondo de forma concreta. Neste particular trago o voto do eminente Desembargador Cláudio Costa na ADI nº 1.0000.06.436023-3/000(2) do TJMG:Peço vênia para divergir do voto do eminente Relator e, em corolário, acolher a representação. A Lei atacada está eivada de inconstitucionalidade. Está demonstrada, data venia, a afronta aos artigos 66, III, i, 170, parágrafo único e 173, caput, da Carta Estadual, eis que fere a Lei Municipal 3.272/06 os princípios da harmonia e separação dos poderes, além de afrontar ao pacto federativo, ao invadir a competência privativa do Poder Executivo. A norma em questão cria despesa ao Município sem a correspondente fonte de custeio/receita. Não me seduz o argumento de que o valor da despesa seja irrisório, nem tampouco o fato de que outros projetos semelhantes não tenham sido atacados por via de ADIN. Os princípios são normas gerais, não admitem flexibilização em face do caso concreto. Se a regra, outra espécie de norma, permite uma adequação ao caso concreto, o princípio deve reger a interpretação daquela. Assim, não há como se afastar os princípios da harmonia e separação dos poderes apenas porque, no caso, a despesa gerada é inexpressiva. Portanto, a Lei em questão ofende aos princípios de independência e harmonia entre os poderes contidos na CR e repetidos nos artigos 6º e 173 da CE, além do que o parágrafo 1º do art. 165 da Carta Estadual determina que o Município deve observar os princípios da Constituição Federal e da Constituição Estadual. Com esses fundamentos, peço vênia ao eminente Relator para que, dele divergindo, acolher a representação para declarar a inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 3.272/06, do Município de São Sebastião do Paraíso. Admitir que o Poder Legislativo de forma subjetiva discipline projetos voltados ao bem comum, pode fazer com que venha este a causar prejuízos a execução orçamentária, pois, na sua grande maioria não estabelecem as fontes e recursos para atender a matéria. Além do mais, não compete a ele desempenhar projetos para concretizar políticas públicas, mas sim, trazer regras para o bem da coletividade em geral, sem violar a separação dos poderes. Ainda, toda vez que for proposta qualquer matéria que acarrete aumento de despesa, deve ser observada a Lei de Responsabilidade Fiscal: Art. 15. Serão consideradas não autorizadas, irregulares e lesivas ao patrimônio público a geração de despesa ou assunção de obrigação que não atendam o disposto nos arts. 16 e 17. Art. 16. A criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento da despesa será acompanhado de:I - estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subseqüentes;II - declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias.§ 1o Para os fins desta Lei Complementar, considera-se:I - adequada com a lei orçamentária anual, a despesa objeto de dotação específica e suficiente, ou que esteja abrangida por crédito genérico, de forma que somadas todas as despesas da mesma espécie, realizadas e a realizar, previstas no programa de trabalho, não sejam ultrapassados os limites estabelecidos para o exercício;II - compatível com o plano plurianual e a lei de diretrizes orçamentárias, a despesa que se conforme com as diretrizes, objetivos, prioridades e metas previstos nesses instrumentos e não infrinja qualquer de suas disposições.§ 2o A estimativa de que trata o inciso I do caput será acompanhada das premissas e metodologia de cálculo utilizadas.§ 3o Ressalva-se do disposto neste artigo a despesa considerada irrelevante, nos termos em que dispuser a lei de diretrizes orçamentárias.§ 4o As normas do caput constituem condição prévia para:I - empenho e licitação de serviços, fornecimento de bens ou execução de obras;II - desapropriação de imóveis urbanos a que se refere o § 3o do art. 182 da Constituição. Portanto, a priori, me parece que o projeto não cumpre com o citado dispositivo, sendo irregular também neste quesito. Diante o exposto, como o presente Projeto de Lei disciplina matéria de forma concreta, a qual é de iniciativa do Poder Executivo e, embora sendo ele louvável não traga o impacto financeiro, sofre ele vícios insanáveis, restando por prejudicada à matéria. Este é o parecer, s.m.j., que ora subscrevo. Marechal Cândido Rondon, 07 de junho de 2010. VICTOR EDUARDO BERTOLDI BOFFProcurador JurídicoOAB/PR 41.452 [1] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro, 16ª Edição. São Paulo: Editora Malheiros, 2008. Pág. 617/618.[2] Ibid., Pág. 618.[3] Ibid., Pág. 619.
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PARECER JURÍDICO
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